O dia que o Brasil perdeu


Esses dias, em clima de Copa do Mundo, vi, rolando nas redes sociais, um vídeo da torcida brasileira, cantando em uníssono, um canto que falava algo como “somos uma só nação e vamos juntos”. Comoveu-me, mas senti um nó estranho no fundo do estômago me acusando de hipocrisia, afinal, há poucas semanas, eu estava infladíssima por conta das eleições.

Lembro daquele 31 de outubro de 2022, quando tinha um sentimento de não pertença, um certo asco e sensação de rompimento com as pessoas. Isso era o que mais me fazia sofrer. Eu entendo que governos vêm e vão, períodos de mais e menos sofrimento são partes da vida, mas o que mais me entristecia era justamente sentir tudo aquilo que me fazia olhar na direção contrária do amor, da compaixão, da amizade, da unidade, da paciência. Era o orgulho gritando e me corroendo. Falei: “nossa, não dá nem vontade de torcer pelo Brasil na Copa, não tem clima”, é como se eu não pudesse estar do mesmo lado de todos os brasileiros.

Entendi que estava me deixando afetar excessivamente pela influência do meio, pelo inflamado discurso digital, pelas distorcidas e vergonhosamente manipuladas notícias. Não fiquei 100% consolada, mas melhorei meu ânimo e recuperei a esperança no lugar certo.

A Copa do Mundo chegou. Sempre fui uma torcedora surtada: Copa do Mundo, Vôlei, Pan, Olimpíadas. Quando mais jovem, acompanhava tudo, fazia tabelas, comprava revistas... Brincava que eu era repórter esportiva, acompanhando os atletas. Aliás, esse sonho me moveu a estudar jornalismo. Bom... o pé está mais na realidade, mas ainda assim... magina...

Desta vez, não seria diferente. Não estava muito confiante na nossa Seleção, mas, logicamente, torcendo pelo hexa. Primeiro jogo, começando com vitória, todo mundo entrando no clima. Segundo jogo já começou a ameaçar a saúde do miocárdio. Terceiro jogo desiludiu.

Contra a Coreia, a ilusão voltou, a moral levantou. E desde então, olhando pra mim mesma, comecei a me questionar sobre tamanho do meu próprio envolvimento. Mas não só meu. Todo mundo enfartando junto, todo mundo berrando junto, os gols comemorados com abraços, um país parado para torcer pela Seleção.

No jogo contra a Croácia, cheguei a me sentir mal de tanta tensão. Minha mãe ficou fazendo serviço pela casa, sem emitir palavra; até meu pai ficou saracoteando. Um irmão xingando, o outro reclamando de ansiedade. Na prorrogação, fui pro meu quarto porque, realmente, estava sentindo um desconforto no peito. Com o gol do Neymar, a casa quase caiu, a confiança voltou. O gol da Croácia, no final do jogo foi como um tiro na cara. Os pênaltis, impossível. A derrota? Amarga, dolorida, triste. Uma sensação de descrença, um desespero estranho por ter que se convencer que... acabou. Mas o que acabou? A política influencia sim na minha vida, mas o futebol? Não influencia nada. Por que essa sensação de vazio e depressão?

Reflitamos juntos: Nascemos do Amor. Um Amor que precisava expandir. Somos reflexo desse Amor. Por isso, sempre estamos impelidos para Ele e N’Ele, estamos impelidos para o outro. Nossa felicidade se solidifica na vida em comunidade, na sensação de pertença, de comunhão, de tocar na mesma sintonia, de tremer na mesma vibração.

Não somos uma massa global. A Providência permitiu que nos dividíssemos em povos com línguas e culturas específicas. Com geografias distintas e habilidades características que devem contribuir para o bem universal. A Pátria que a Providência nos permitiu nascer nos trás isso: o pertencimento, a identificação, a comunidade, a comum unidade.

Por isso é tão bom torcer pelo Brasil. Porque se cruzo com um desconhecido na rua vestido de verde e amarelo, podemos trocar um sorriso de identificação, de ter algo em comum, desejando a mesma coisa.

Talvez.... talvez.... a felicidade da torcida seja essa. Justamente o oposto do que me fez sofrer na época das eleições.

Mas tem mais: a Copa do Mundo é um momento único. Não é um campeonato que tem todo ano. É uma chance mais escassa, resultado de um longo trabalho de quatro anos. E quando a gente perde, pensa: "só daqui quatro anos". E isso causa uma angústia. Hoje pensei: “Meu Deus, em quatro anos vou estar tão velha. Onde vou estar daqui quatro anos? Será que ainda estarei viva? Será que meus pais ainda estarão vivos? Minha avó, meus irmãos?”... É apenas um jogo, mas que me coloca na dimensão do tempo que passa e leva com ele minha vida, num futuro tão incerto, lembrando que todos os momentos podem ser os últimos. Os bons e os ruins.

Mas eu tenho ansiedade que gera, em consequência, um pessimismo duro de lutar contra. Porque claro, podem haver perspectivas melhores: “quantos sobrinhos mais terei em quatro anos? Será que estarei casada, com filhos? Viajando? Terei realizado alguns sonhos?”, pode ser, mas o presente precisa ser vivido ainda que seja para amargurar a derrota e ter paciência com os sentimentos ruins.

Bem, de qualquer forma, foi boa a Copa. É um toque pra lembrar que amo meu País. Amo o povo também e desejo o melhor para todos. Amo nosso Português, amo que sejamos acolhedores, criativos, que sabemos levar a vida com bom humor, que temos paixão, que tomamos banho todos os dias! (alou, piada interna). Nossa bandeira é uma das mais lindas e o hino, definitivamente é o mais lindo. Amo muitas coisas mais. 

Que a união possa nos mover a fazermos da nossa terra um lugar melhor para os brasileiros, pra que isso não dependa de um governo.

Só um desabafo e mais uma reflexão. 

Final de jogo. Galvão Bueno, deliberadamente, faz uma crítica pessoal ao técnico da Seleção Brasileira. Escutando-o está um telespectador inflamado, sentido com a derrota, as emoções à flor da pele. É o suficiente para formar uma opinião geral, influenciar a todos. Logo, cai na internet. Mesmo quem não assistiu o jogo pela Globo, fica sabe do que fez o Tite e do que disse o Galvão. É hora de canalizar a frustação. Uns choram, alguns debocham, outros xingam, culpam o juiz, culpam o jogador ‘x’ ou todos os jogadores. Tem gente que se abraça, tem gente que não quer falar com ninguém. Tem gente que prefere ficar sozinho e tem gente que chama o técnico de covarde.

Se o Galvão não tivesse falado o que ele falou, talvez ninguém notasse o Tite saindo do campo. Talvez as pessoas nem vissem, talvez as pessoas achassem normal. Alguém considerou que ele poderia estar super apertado pra fazer um xixi ou precisando aliviar os gases e demais coisas que o corpo gerou pela tensão? Talvez alguns olhassem e falassem “nossa, coitado do Tite”. Sim, se você não tivesse escutado o comentário do Galvão, talvez ficasse com dó. Mas você escutou. E você precisa canalizar seus sentimentos de algum jeito.

Ninguém sabe o que estava passando na cabeça do Tite. Ele poderia preferir ficar um tempo sozinho, respirar fundo, esperar os jogadores no vestiário. Ele poderia estar se culpando, poderia estar com raiva de alguém, poderia... qualquer coisa. Se eu, que sou uma réles torcedora fiquei tão arrasada que não sabia nem o que fazer no fim da partida, imagina ele, que não vai ter outra chance.  

Não acho que seja justo julgá-lo desse jeito, influenciado pelo comentário de uma outra pessoa. Falar em rede nacional exige muita responsabilidade... 

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