Teste de sobrevivência: andar de ônibus

Todos os dias, milhares de pessoas, acordam de madrugada para enfrentar um longo dia de trabalho. Muitas dessas pessoas tem por primeira tarefa deixar o filho na creche ou na escola antes de seguir pra o trabalho. Muitas outras são jovens que vão para a escola. E muitas saem de casa direto para o trabalho.
O que boa parte dessas pessoas tem em comum?
Todo dia, a batalha tem início no transporte público.

O drama começa com o fato de que, quando você não tem um carro, você precisa pular mais cedo da cama, porque o tempo do seu trajeto será bem maior. No meu caso, de carro, demoro 10 minutos pra chegar no trabalho. Porém, de ônibus, preciso sair de casa uma hora e dez minutos antes do meu horário. Isso mesmo. Uma hora e dez minutos.



Isso acontece com boa parte dos trabalhadores que moram em cidades como a minha, que tem um esquema de transporte que exige que o trajeto seja feito em dois ônibus. Primeiro até um dos terminais e depois outro ônibus até o destino.

Após chorar por ter de levantar tão mais cedo do que o necessário, você não pode correr o risco de perder nenhum segundo, porque por um minuto que você perca seu primeiro ônibus, você perde seu segundo ônibus, consequentemente, chegando atrasado no seu trabalho.

Quando eu saio de casa, logo ponho meus fones de ouvido para ouvir música ou o programa matinal da rádio local, ta tentativa de me distrair dos reveses que aparecem durante o trajeto.

Meu primeiro ônibus chega. Depois de uma semana, você já se sente amiga do motorista e do cobrador e já da pra falar Bom Dia! Mais tarde, o Bom Dia vira comentários sobre notícias, a cobradora (num dos ônibus é uma mulher) começa a te contar sobre a neta, o filho, a nora perturbada, o que ela vai fazer quando se aposentar. Eu confesso que, embora eu seja super a favor de conversar com as pessoas, ser gentil etc, eu sou super contra fazer isso às 7h da manhã.
Eu só me sinto preparada para falar depois de meia hora que cheguei no trabalho, antes disso, por favor, não me obrigue.


Mas basta preparar para subir o primeiro degrau do ônibus que já começa o perrengue. Eu não sei se é a idade que já chegou, mas gente, porque tem que ser TÃO ALTO? Bom, exercício matinal já ta feito: sair correndo pra não perder o bus e malhar a coxa subindo o degrau.

O próximo desafio é passar a catraca. Aquele espaço apertadíssimo. Tudo piora se você está com mochila ou bolsa. Quantas vezes eu já precisei sair carregando a casa nas costas e foi o maior sufoco. Piora mais ainda se o ônibus está em movimento. Você não sabe se se segura, se segura suas coisas, ainda tem que segurar o cartão transporte ou o dinheiro e na tentativa de salvar tudo, acaba até se machucando, dando mal jeito e essas coisas. O que eu fico mais impressionada é na TOTAL incapacidade das pessoas próximas te ajudarem nessa situação. Tem uns que até reparam no seu sufoco, mas só ficam ali, te olhando mesmo, vendo se você vai conseguir passar a catraca. Em minha defesa, digo que quando vejo essa situação, sempre ofereço ajuda. Principalmente se eu estou sentada e com as mãos livres.

Depois de passar a catraca, você respira aliviado "CONSEGUI". Mas isso só dura uma fração de segundo, porque aí é que começa a prova de verdade. O teste de resistência, de força, de equilíbrio, de controle mental: ENCARAR A L O T A Ç Ã O.

Pra começar que eu tenho sérios problemas de enjoo, principalmente de manhã e piora muito andando de carro, que dirá de ônibus. É fatal se eu ficar de costas para a direção que o ônibus vai e é exatamente isso que acontece quando eu entro, fico de costas até conseguir me ajeitar. Então, basicamente, meu controle mental é controlar a vontade de vomitar.

Eu, só que de pé, amassada, no ônibus lotado

A coisa fica muito pior quando está chovendo e as janelas ficam todas fechadas. Aliás, quando eu tenho que pegar o ônibus para trabalhar e está chovendo, já começo a chorar saindo de casa, porque é um transtorno. Além do problema já citado, ainda tem todos os guarda chuvas molhados pingando em cima da gente e meio que não há muito o que fazer.

Eu preciso dizer que eu não entendo o fato dos passageiros irem de pé no ônibus e como é permitido ele super lotar. Se no carro somos obrigados a usar cinto de segurança, como que no ônibus, além de não ter cinto, está ok a galera ir pendurada nas barras? Eu juro que não entendo isso. Fora, que os motoristas dirigem que nem uns loucos. Teve uma vez, que por milagre, eu estava sentada, mas o motorista estava numa velocidade tão alta que quando passava pelos "obstáculos" da rua, eu pulava no banco, não conseguia me segurar. Dava cada tranco nas minhas costas que o perigo de machucar é muito real. E isso acontece muito. De pé, se torna muito mais difícil, porque o motorista faz aquelas curvas super fechadas e na maior velocidade e você precisa fazer muita força com o corpo pra não cair e pior, cair em cima da galera. Mas tem hora que não tem como, o busão mega lotado, o povo se amassa mesmo. É horrível, além de perigoso. 
Eu digo isso porque minha vó já caiu no ônibus e se machucou feio por conta da imprudência do motorista. 

Há várias coisas que não entendo relacionado com o comportamento das pessoas. Eu não sei porque a galera precisa se aglomerar num bloco, todo mundo se espremendo, geralmente nas portas e deixando os outros espaços vazios, impedindo, inclusive, que a gente passe e chegue num lugar onde possamos respirar. Ninguém colabora no transporte público, as pessoas são folgadas, ficam ali, isoladas num mundo que não sei, naquele desconforto, mas ninguém se mexe para facilitar a vida de ninguém!!!! Eu respiro bem fundo muitas vezes, porque minha vontade é dar vários chiliques. Fora a pessoa que vai descer no último ponto e fica totalmente empacada na porta. Estas me irritam bastante. 

Nós mulheres temos que enfrentar ainda um outro problema. Admito que não acontece sempre comigo, mas já vivi algumas situações assim: do cara folgado. Já vivi dois tipos de situação. Do cara folgado mesmo. Que não se toca e fica ocupando o máximo de espaço que ele pode. Tanto de pé, quanto sentado, fica com as pernas super abertas, não libera espaço pra ninguém passar e não se esforça para segurar o corpo nas freadas e nas curvas. 
Mas existem momentos em que a gente percebe a malícia e que o cara ta fazendo de propósito e isso é tão... nossa, cara, é péssimo. De verdade. 
Ai, já naquela situação toda de ônibus cheio, você se equilibrando com suas coisas, ainda tem que se esquivar do tio folgado. 

Lógico que eu tenho noção, e tem momentos que a lotação é tanta que não tem como você não ficar encostada num cara. É um pouco desconfortável, mas muitas vezes você percebe que ele não está se aproveitando e procura se espremer também. Muitos inclusive, pedem desculpas quando esbarram, tocam. E quando não tem jeito, olha com um olhar de "eu sinto muito". 

Estou falando isso, porque não quero generalizar. Não são todos e isso aconteceu poucas vezes, mas além de tudo ainda existe este desconforto pra lidar. 

Então, finalmente chegamos no terminal. LIBERDADE!!!!!!!

Quase...

Vai durar pouco essa liberdade. É só tempo de tomar fôlego, voltar parte do estômago pro lugar e se preparar pro segundo round.

O segundo round é selva. É Jogos Vorazes. É onde o mais forte sobrevive e o mais fraco morre.

O segundo ônibus que eu pego passa apenas de 40 em 40 minutos. Ou seja, se eu perder, tenho que fazer uma longa subida a pé. Isso quer dizer também que ele vai L O T A D O. Mais ainda que o primeiro. E como eu trabalho perto do SENAI, muitos alunos pegam essa linha. Além de também ter uma creche no caminho, de forma que muitas mães vão com crianças.
O teste de paciência começa porque ele é um ônibus que atrasa muito.

Quando ele chega, eu me sinto no meio de uma manada de elefantes. É a hora da disputa por conseguir sentar.
Tento ilustrar a realidade que eu enfrento todos os dias, entre 7h20 e 7h40 da manhã:




Porque a galera não tá nem ai. Existe uma ordem de chegada, sabe. Por exemplo, eu sou uma das primeiras que chega na plataforma... ou seja, quem chega primeiro, deveria ser o primeiro a subir, numa fila, em ordem, em paz. Mas não. O pessoal que chega por último vem na voadora, na violência, atropelando mesmo, empurrando, machucando. E não pense que são os estudantes não. Geralmente os estudantes são os últimos a entrar.
Os dias que eu não consigo colocar meu estômago no lugar e estou me sentindo muito mal, eu até entro um pouco na disputa pra ver se consigo sentar, mas não vale a pena. Geralmente eu deixo a boiada galera passar e depois entro.

O caminho que é feito nesta segunda trajetória é ainda pior, cheio de curvas, subidas e descidas. geralmente, meu estômago vira uma escola de samba em pleno desfile de carnaval e se está calor, minha pressão despenca. Já teve situações de eu ficar com a vista turva e tive que me segurar muito pra não desmaiar. Não foi fácil e todo dia tenho medo que isso aconteça. Não é falta de café da manhã não, pois este eu como todo os dias com muito prazer.

Eu não vou nem comentar sobre os adolescentes que entram berrando no ônibus. Nem naqueles que carregam caixas de som com aqueles funk horríveis pro ônibus todo ouvir. Também não vou comentar sobre um certo povo folgado que entra pela porta de trás, sem pagar e ainda obriga o motorista a ficar esperando as companheiras atrasadas.

Olha, eu sempre procuro manter muito minha paciência. mas tem dias que é difícil. Que eu tenho vontade de xingar mesmo. Mas arrumar uma confusão vai ser muio pior.
É difícil já começar o dia neste estresse. Chegar no trabalho parecendo que corri uma maratona já.

Mas fazer o que. As vezes, pra me ajudar a não focar tanto nas coisas ruins, eu entro na Deborahlandia, meu país, onde o sistema de transporte público não custa uma fortuna, não demora tanto, é seguro, é confortável e as pessoas são educadas e se ajudam. Outro dia eu criei as leis e o código de ética do transporte público da Deborahlandia e ele ficou lindo. Me distraio com essas coisas, até que FINALMENTE chego no ponto final e aí sim LIBERDADE. Eu apenas penso "VENCI A PRIMEIRA BATALHA DO DIA"


Porque ainda terá a segunda, que é o retorno pra casa e lá vamos nós de novo.
E se tenho algum outro compromisso no qual também dependo do busão.................. só na Fé.










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