Quarentena Dia 0 - Os heróis que ninguém reconhece/ Quarentena Dia 1 - Prepararando a quarentena.

Mais do que nunca, preciso ter dentro de mim o Espírito Peregrino. A certeza de que caminho no meio da aridez e tribulação em uma pátria que não é a minha, rumo à minha morada definitiva.

Às vezes, parece que vou acordar de um pesadelo. Eu que tenho tantos pesadelos, daqueles que me fazem acordar com uma sensação ruim, chegar na cozinha e dizer "mãe, você não vai acreditar o que eu sonhei esta noite". E ao contar, começo a rir, de tão absurdo que é.

Eu... que sempre amei tanto cinema, sempre sonhei em fazer parte deste universo, parece que estou vivendo um filme, um daqueles apocalípticos. Só que neste aqui, eu não tenho o roteiro. Eu não sei quem é o herói protagonista que vai derrotar o inimigo, não sei se meu personagem morre ou sobrevive, eu não sei como a história termina, nem sei se é um filme ou uma franquia, sei lá, com três filmes que vai demorar muito pra ter o desfecho.

A ficha vai caindo aos poucos. Primeiro fecham as escolas, depois as igrejas, depois o comércio... e assim vou tomando ciência de que é real e está acontecendo bem aqui. A situação no meu trabalho foi bem tensa esses dias e olha que eu nem trabalho em redação hard news! Os profissionais da saúde são heróis nestes tempos e os jornalistas também.

Sabe quem mais é herói? A galera que trabalha no mercado.... Ontem, sexta, dia 20 de março, eu fui no mercado. Decidimos aqui que só eu vou sair, porque em casa tem TRÊS no grupo de risco.

Não sei se vou ter estrutura mental suficiente pra encarar o mercado sozinha até tudo isso acabar. To rezando pra logo imporem medidas restritivas de entrada e compras! Se você ainda acha que a situação não é pra tanto... vá no mercado. Impossível não ter um ataque de nervos lá. Eu não tive um pela misericórdia de Deus.

No meio da tarde e aquilo lotado. As pessoas enchendo o carrinho como há muito tempo eu não via. Porque se vocês pararem pra pensar, faz muuuito tempo que ninguém mais faz aquelas compras de mês, né? Eu percebo que o povo tem comprado aos poucos, mais pra semana.... Sobretudo pelo preço das coisas. Sempre esperando uma promoção ou achar mais barato em outro lugar. Enfim, uma mudança de comportamento que há tempos eu notei.

Mas ontem, não era compra de mês que o povo tava fazendo. Era compra de bimestre. Uma mulher tinha tanta carne no carrinho que eu concluí que ela deve ter um daqueles freezer de sorveteria na casa dela, porque só assim pra caber tanta carne.

Teve um outro cara, barbudão, de máscara que, se ele sobreviver ao conoravírus, vai morrer de insuficiência renal. Acho que ele, simplesmente, pegou todo o miojo do mercado.

Um momento, ao meu lado, uma mulher perguntava pra uma funcionária onde tinha farinha de milho.... não tinha!! Nem óleo, o macarrão acabando, sem requeijão e margarina! A funcionária comentava que as pessoas estavam insanas nas compras, embora não houvesse necessidade nenhuma daquilo. Que se as vendas seguissem em ritimo normal, não vai faltar pra ninguém. Só que, com o consumo alucinado, no mínimo, as mercadorias vão demorar muito mais pra chegar.

Eu, a paciente que trata de TAG, tinha um sentimento duplo. Por um lado, queria começar a berrar loucamente pras pessoas deixarem de ser idiotas (ok, me perdoem, estava perto de um ataque de pânico), por outro, também queria começar a lotar meu carrinho. É uma reação em cadeia. Você é contaminado por aquele desespero, vê as prateleiras esvaziando e bate aquele medo de ficar sem.
Pedi a Deus auto controle e somprei só o necessário, só o que tinha na lista.

Depois, quase meia hora na fila do caixa... imagine. E foi quando chegou minha vez que senti que aqueles funcionários são heróis também, pra aguentar aquela loucura.

Além disso, no meio desta pandemia, eles ficam super expostos. Tem contato com milhares de pessoas ao longo do dia. Pegam no dinheiro, em todas as mercadorias, tudo!!!!!! De verdade, eu precisei me segurar demais pra não sair correndo do mercado pensando que o vírus poderia estar em qualquer lugar. Cada pessoa que passava perto de mim me causava nervoso. Um cara, muito sem noção, na feira, tossiu com bastante vontade SEM COBRIR A BOCA!!!!!!!!!!! Eu queria ligar pra polícia e denunciar!
Imagina então o funcionário do mercado, desprotegido, repondo pratelerias, empacotando, nos caixas lidando com dinheiro e com todas as mercadorias, pegando os carrinhos espalhados pelo estacionamento...

Na minha cidade há casos confirmados de coronavírus.

Sério, se eu morasse em um prédio, pediria aplausos para a galera do mercado.

Nem vou falar no desespero a hora que eu cheguei em casa. Passei álcool 92 em todas as minhas coisas. Queria passar nas mercadorias também, mas minha mãe me lembrou que o vírus morre se não tem hospedeiro e que não era necessário desinfectar cada embalagem. Tenho minhas dúvidas... e tô desconfiada que ela jogou todas as sacolinhas no lixo.

Lavei minhas mãos nem sei quantas vezes. Mesmo depois de tomar banho, continuava querendo lavar as mãos. Coloquei a roupa pra lavar mas a sensação de que tudo ficava contaminhado era forte.
Você que tá lendo isso e tem Transtorno Obssessivo Compulsivo: se eu morasse num prédio, pediria apluasos pra você também! Como vocês conseguem conviver com isso que eu sei que é numa escala muito maior?! Eu tenho uma pessoa que eu amo muuuito que tem TOC e olha... eu achei que já era compreensiva suficiente, mas percebi que não tenho nem noção do que eles vivem.

Enfim.

Mas até ontem, sexta, dia 20, eu estava indo no prédio da empresa pra trabalhar, até porque as coisas lá ficaram agitadas. Setor de comunicação, gente.....

Aliás, mesmo não morando em prédio, acho que vou convocar os vizinhos pros momentos de aplausos, e um deles será para os jornalistas!

A partir de segunda, graças a Deus, começa o home office. Não sei que nível de neurose eu poderia entrar ao ter que sair de casa todo dia.

Então hoje, sábado, dia 21 de março, eu me preparei para a quarentena oficial. Limpeza geral no quarto. Sim, com álcool, água sanitária e tudo o mais. Aproveitei para reorganizar o espaço, tornando o ambiente mais adequado pro home office, sobretudo com o material extra que eu trouxe do escritório. Foi o sábado todo fazendo isso.

Psicológicamente, ajudou bem. Essa semana tive picos de ansiedade bem altos e muita vontade de chorar. Mas o choro ficou trancado virando uma bola no peito horrível de carregar. Ontem, lendo um texto do meu pároco, finalmente chorei e não conseguia parar. Foi ótimo. Consegui até dormir melhor. Acordei animada para a limpeza. Confesso que tive 2 momentos de crise, com o coração acelerado, tremedeira, o cérebro bugando. Mas passou.

Procurei ficar o mais longe possível das notícias. Mas não deu pra ficar totalmente isenta....

Mas uma das coisas mais estranhas de tudo, ao mesmo tempo que uma Graça do Céu muito grande, foi participar da Eucaristia pela televisão... Eu nunca fiz isso na minha vida. E eu acho que só deixei de ir na missa umas duas vezes, que eu me lembre, e por motivo de força maior.... Quer dizer, depois desta pandemia, acho que nunca mais vamos considerar nada como força maior para não ir à Eucarista.

Então, sentar na sala e assitir a celebração foi....
Bom, desligamos os celulares, colocamos roupas adequadas e formamos uma pequena assembleia. Fiquei feliz olhando pra minha família grande, com sete pessoas sob o mesmo teto.... formamos mesmo uma assembleia.
O mais difícil foi a hora da comunhão... como aquilo doeu.
Porém, que graça enorme passar por tudo isso em tempos de tecnologia e ter a possibilidade de participar da Missa de alguma forma. Que Palavra que nos deus o Senhor neste Domingo da Alegria! Que homilia fez o padre! Que descanso aquela hora de oração! O Senhor nos mostra que estar em sua presença, viver a comunhão dos santos vai muito além do espaço físico.

Por fim, meu pai fez pizza... estava deliciosa... e tomamos vinho. Mais uma vez, graças a Deus uma família grande para querer se matar, mas pra poder rir junto, compartilhar coisas diferentes, um animar o outro!

E assim foi meu primeiro dia de quarentena. Nada de séries, filmes ou tédio. Mas muito trabalho aqui em casa me preparando para quarentenar!

Gente.... A situação é muito grave e séria. Eu to sofrendo bastante por ver a situação no mundo; por pensar o que vai acontecer aqui no Brasil; de pensar nas pessoas que sempre vejo e agora não vou ver por sei lá quanto tempo, principalmente minha sobrinha; pelos meus amigos que vivem na Europa e estão sofrendo tanto.... enfim. Bastante crise de ansiedade também. Porém, colocar um pouco de leveza é preciso. Quando eu puder fazer isso, vou fazer. Do meu jeito surtado e louco, tentando rir de mim mesma e compartilhando com vocês.

Mas não sei se vai dar sempre. Talvez haja momentos que eu queira compartilhar minha dor.

Bom, que venha o segundo dia de quarentena!

E lembrem-se:

FIQUEM EM CASA

LAVEM AS MÃOS

NÃO PONHAM A MÃO NA CARA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!



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