Cententena dia 105 - De volta ao Estado Vermelho na Pandemia
Importante esclarecer que não é que as Igrejas "fecham", mas não pode haver a presença dos fiéis nas Missas, como vinha acontecendo nas últimas três semanas.
Devo dizer que fiquei muito triste com essa notícia. Na minha paróquia, pelo menos, eu me sentia mais segura com relação ao vírus, do que na minha própria casa devido às rigorosas medidas de higiene, distanciamento e controle que foram adotadas. Ali, eu me sentia muito tranquila para participar da Eucaristia, ficava feliz em ver as pessoas e sentia renovar em mim o ânimo que já ficava acomodado e um pouco adormecido.
No dia 25 de junho aconteceu a primeira morte por conta da Covid-19 de uma pessoa que eu conhecia. O marido de uma amiga. Uma amiga que eu gosto muito e com quem estou todos os dias (ou melhor, estaria, se não fosse a pandemia). Uma amiga com quem compartilho muitos momentos da minha vida e que sempre me acolheu como uma mãe. Uma amiga generosa, cuidadosa, mulher forte, com um espírito jovem, sempre muito positiva. Engraçada. Aquele tipo de pessoa que melhora o ambiente, que com as conversas, as piadas, as palavras transformava meus dias ruins em dias melhores.
Entre o aparecimento dos sintomas e o falecimento dele foi exatamente uma semana e por mais crítica que fosse a situação, nós tínhamos muita esperança que ele melhoraria. Por isso, ao acordar naquela quinta-feira e ler a notícia da morte, fiquei em choque. Me senti triste, angustiada, não conseguia acreditar nem reagir. Saber que não poderia haver velório, que eu não poderia estar com minha amiga naquele momento só tornava a situação mais dura. Eu não conseguia expressar o meu sentimento e aquilo ficou trancado em mim.
Dois dias depois, outra notícia de morte por conta da Covid-19 de uma pessoa conhecida. Um pai de 13 filhos, o mais novo com 5 ou 6 anos... Eu vinha rezando muito por essa família e pela recuperação desse pai, mas o Senhor levou-o. Confesso que naquele sábado, deu um "tiuti" dentro de mim. Questionamentos... medo.
Eu senti medo.
Percebi que por mais cuidado que a gente tome aqui em casa, não estamos livres. O coronavírus continua sendo essa ameaça invisível que não conseguimos controlar por mais rígidos que sejamos no distanciamento e nas medidas de higiene. E a morte... ela é implacável.
Pode acontecer na minha família. Eu posso perder meu pai, eu mesma posso morrer a qualquer momento.
O medo que eu comecei a sentir era diferente daquela ansiedade do começo da pandemia, quando eu ficava neurótica com a higiene, com a proximidade das pessoas, numa certa ilusão de que eu poderia ter controle sobre o vírus.
Não... aquele medo era mais denso, mais profundo, calado no meu peito, consciente de que não tenho controle de nada.
Naquele sábado, eu fui na missa e pedi ao Senhor que me preparasse e ajudasse para o que viesse nos próximos dias, pra que eu pudesse ficar firme. E ali, relembrei a importância que tem a Eucaristia na nossa vida. Ela é vital, Ela é essencial. Por isso fiquei tão triste ao saber que não poderemos mais estar presente nas missas por mais um tempo.
No domingo pela manhã, finalmente consegui expressar em palavras o que eu estava sentindo e finalmente consegui chorar. Chorei bastante e consegui aliviar aquela opressão no peito. Choroterapia. Recomendo.
Ontem, dia 104 da quarentena, eu fui na missa do marido da minha amiga. Que agonia encontrar com ela e não poder abraçar. Este é um momento em que faltam palavras, mas em compensação temos o abraço que diz tudo, que é mais consolador que qualquer som, a melhor forma de expressar a solidariedade, o carinho, a união no sofrimento. Mas não podia.
Lá encontrei outro amigo que estava fazendo aniversário e não pude felicitá-lo com abraço. Nem mesmo com um aperto de mão.
Na missa, ficamos distantes uns dos outros, todos "mascarados" e num determinada hora, eu gritava por dentro "CHEEEEGA!!! Isso precisa acabar". Que agonia que bate em alguns momentos.
Procurei manter uma segurança emocional de toda a situação porque se eu me envolvesse pela emoção e começasse a chorar, eu não iria mais parar. Mas não sei se fez bem oprimir... Porque acabei passando mal de madrugada e hoje tive um dia de muito mal estar, e acredito muito que seja do emocional que, nos últimos dias, tenho tentado manter sobre controle.
Acho que a cada dia nos perguntamos:
O que é ter esperança de verdade?
Qual tem sido o sentido da nossa vida?
Onde temos colocado nossa fé?
A vida e a morte caminham lado a lado, mas todos dias a gente tenta fugir da morte, não pensar, se alienar. Mas e quando ela se materializa na nossa frente? Quando ela toma forma, corpo, quando ela ganha voz e fala no nosso ouvido, dia por dia? Essa pandemia tem feito isso, dias em que temos que encarar a crua e mais concreta realidade da nossa vida: a morte.
Este texto faz parte do desafio #julhoquevou lançado pela escritora e roteirista Maria Helena Alvim (@mhalvim)
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