O dia que eu quase morri, mas vi o Papa
Eu sempre acho que vou morrer ou que estou morrendo. Por exemplo, hoje mesmo, já pensei várias vezes "se meu fim não estaria próximo". Quando eu estou dentro do meu avião, sempre tenho muita certeza que de que vou morrer, se não for de acidente, com certeza de um ataque do coração.
Mas no dia 28 de julho do ano passado, eu quase morri mesmo. Eu tinha certeza que ia desmaiar e morrer pisoteada.
Depois de passar por muitas emoções em Auschwitz, o dia seguinte começou com um rolê por Cracóvia. Pode-se dizer que foi a primeira vez que a gente pôde ver a cidade de verdade. E é aí que você já se apaixona por aquela cidade linda. A cidade inteira é um cartão postal.
Foi também a primeira vez que pegamos transporte local, ônibus urbano, porque até então, só andamos com o fretado. Foi a primeira vez que tivemos mais contato com a população e com outros peregrinos.
Os poloneses devem ser um dos povos mais simpáticos e amáveis do mundo! Interessante que, na minha visão, a população era bastante idosa.... pelo menos assim parecia a maioria dentro dos ônibus. Imagina um senhor, em mais um dia comum de sua vida, entrando num ônibus abarrotado de jovens, cheios de mochilas, bandeiras, falando alto, rindo e cantando. Você já espera aquela cara amarrada, os resmungos... afinal, estávamos interferindo na rotina deles. E olha... já passei muito por isso em JMJ, no Rio de Janeiro inclusive. Ok, por um lado eu entendo.... depois de um dia cansativo, você voltando do trabalho e ter que encarar o metrô abarrotado de jovem fazendo bagunça.... mas, gente... sério. precisa xingar tanto e ficar reclamando? É só por três dias na vida que isso vai acontecer.
Mas em Cracóvia não. Os olhos das pessoas brilhavam. Eles sorriam pra nós, nos davam lugar para sentar no ônibus. Sim. Os velhinhos levantavam para que os jovens peregrinos pudesse sentar. Era uma educação, uma gentileza.
Eu amo os poloneses. Desde quando os conheci em 2013.
Bom, fomos direto para o Castelo Real de Wawel, a residência dos monarcas poloneses. O castelo
mesmo não pudemos ver, na verdade nem sei se ele abre pra visitação.... Acredito que sim, mas tem que comprar ingresso.... o que estava liberado para visitarmos gratuitamente era a Real Catedral dos Santos Estanislau e Vanceslau que fica dentro do Castelo. Era nesta Igreja que se faziam as coroações dos reis e também onde eles eram enterrados, por isso há vários túmulos realescos.
Passamos por uma revista para entrar. Eu não gosto de revistas.... sempre acho que vão implicar com alguma coisa dentro da minha bolsa, nem que seja o lencinho umedecido.
Infelizmente, dentro da Catedral não era permitido tirar foto, o que eu acho uma baita de uma sacanagem/bobagem. Um lugar lindo, importante e histórico como aquele e você não pode tirar foto.... aff.
Mas ai vai algumas fotos externas desse lugar de realeza.
Lá vai a Deborah, se sentindo uma princesinha... |
Olha essa vista do Castelo!!! |
Esse dia também foi o primeiro dia que em que o Papa Francisco estaria com os jovens. Saindo do Castelo, tínhamos que ir logo para o local onde aconteceria a Cerimônia de Acolhida do Papa. Vamos dizer que é a saudação entre o Papa e os Jovens.
No período da tarde, algumas vias foram interditadas para que o Papa pudesse passar. O resto da cidade... também foi interditado para que os jovens pudessem passar. O fluxo de gente era enorme, então, não tinha como circular carros, a não ser os que fossem autorizados. Começou a cair uma chuvinha também.... Se tem uma coisa que peregrino tem que aprender é: caminha na chuva.
No nosso kit peregrino já vem os ingressos e os setores para cada evento. Olha.... vou dizer que.... nunca a coisa foi tão bagunçada. Não sei se a gente que foi muito tarde, mas.... Já havia muita gente chegando e a gente tinha que passar pela revista e mostrar nossos bilhetes... só que.... não tinha uma entrada específica, a gente ia passando pelos voluntários que não conseguiam segurar aquele povo todo....
Bom. Virou uma muvuca danada. Pensem na situação: Estava calor e chovendo, portando estávamos de capa de chuva. Capas de chuva são impermeáveis, logo, super esquentam. Nós estávamos caminhando, logo, eu estava morrendo de calor. Estava uma maçaroca de gente...
O grupo acabou ficando separado. Quando nós estávamos bastante próximo dos nosso setor, de repente, uma barreira de policiais nos impediu de passar e rapidamente começaram a por grades. Nós entramos em choque. Uma parte do grupo havia ido e nós ficamos presos.
Mas o pior era a galera que vinha atrás querendo passar....Nós ficamos amassados naquela grade. E o povo tava muito desesperado. E aí você vê de tudo, gente querendo passar por cima, gente querendo passar por baixo, povo se empurrando... então, policiais e voluntários se postaram na nossa frente, do outro lado da grade.
"O que está acontecendo? Por que não podemos passar?".
Silêncio.
Ninguém respondia. Só mandavam a gente parar de se empurrar.
"O Papa vai passar aqui?"
Ninguém respondia.
Bem, chegamos a conclusão de que o Papa passaria por ali, o que nos animou um pouco, afinal, nós, que estávamos colados na grade, poderíamos vê-lo bem de perto.
O problema é que ainda faltavam HORAS pro papa chegar. Tipo, duas horas só pra ele chegar no local... depois seriam mais uma hora até ele fazer o tour pelo campo e chegar no palco.... só depois seríamos liberados.
O problema é que: eu estava de capa de chuva, suando em bicas, com uma mochila pesada e sendo
amassada pelo povo que não parava de empurrar. O ar começou a faltar e a minha pressão começou a cair. Não tinha como eu pegar água na minha mochila.... bom, foi nessa hora que eu tinha certeza que eu ia morrer. Ia desmaiar a qualquer momento e certeza que seria PISOTEADA, porque aquele povo era muito sem noção. E pra ajudar, eu ainda estava preocupada com meu irmão caçula que estava mais atrás de mim. Eu queria trazê-lo para perto, só que não dava nem pra virar a cabeça direito. Se você tirasse um pé do chão, não dava pra por mais.Sabe quado você tem vontade de socar o nariz de alguém? Então.... esses guardas não nos ajudavam, brigavam com a gente e ainda debochavam da nossa cara. |
Quando eu comecei a ficar bem pálida e senti dificuldade até pra respirar, porque ai já começou a me dar crise de ansiedade, as meninas do meu grupo começaram a me ajudar a tirar a capa de chuva, prender o cabelo e abrir algum espaço para que eu pudesse respirar.
Eu comecei a chorar. Tudo que eu queria era pegar meu irmão e sair dali, Minhas pernas doíam muito e eu estava com raiva das pessoas. Raiva das pessoas serem tão ignorantes e ficarem empurrando. Raiva dos guardas e voluntários que não prestavam nenhuma ajuda, sequer falavam conosco, raiva da organização que não fez uma coisa mais decente....
Eu comecei a chorar. Tudo que eu queria era pegar meu irmão e sair dali, Minhas pernas doíam muito e eu estava com raiva das pessoas. Raiva das pessoas serem tão ignorantes e ficarem empurrando. Raiva dos guardas e voluntários que não prestavam nenhuma ajuda, sequer falavam conosco, raiva da organização que não fez uma coisa mais decente....
As meninas foram muito legais comigo tentando me acalmar, porque um ataque de pânico não ajudaria em nada, pelo contrário.
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Cara da pessoa amassada, tentando sorrir para a foto quando na verdade, queria romper em lágrimas. |
Claro que toda dor, lágrimas, sofrimentos, agonia e raiva passaram assim que os telões mostraram que o Papa estava chegando ao local.... e ele ia passar bem na nossa frente. O sentimento de euforia, de amor, de esperança começaram a tomar conta de todo o coração, sabe? Quero dizer. Eu não estava amando aqueles guardas, nem aquele povo empurrando (aliás, na hora que o papa chega, ai é que o povo fica ensandecido e a gente só não morre mesmo porque nossos anjos da guarda nos salvam. E eu imagino que depois disso, eles vão até dormir, porque devem ficar muito cansados), mas, não importava muito mais o que estaria acontecendo. Eu veria o PAPA!!!!!!!!!!!!!!!! Dois anos de muito suor e trabalho e pedição justamente para vê-lo, e EU IRIA VER!!!!!!!! Naquele momento pensei que Deus tava sendo muito.... tava rolando um favoritismo comigo, porque a maior parte do grupo, inclusive meus pais e irmãos, não iriam ver o Francis tão de perto, mas eu iria!!!!!!!!! e por acaso ainda!!!!!!!! Ok. Quase custou minha vida, mas.......... vale a pena, sabe?
Conforme o papa vai chegando, você vai ouvindo os gritos da galera mais próximo, o coração vai batendo mais e mais rápido! E quando o Papa passa... olha, é ver o rosto de Cristo mesmo. o rosto do Francis resplandece tanto amor e esperança que nem sei.... Bem, fiquem com o momento:
Nossa... só de ver o vídeo, meu olho encheu de lágrima. Que momento! Segundos apenas, mas... que momento mais especial da vida!!
Depois que o Papa passou, eu estava mais feliz. Afinal, eu vi o Francis de pertinho, e finalmente iriam abrir a grade e eu poderia ir pro nosso setor, sentar e beber água.
SÓ QUE NÃO.
Exatamente. Mesmo depois que o Papa já estava no palco, os guardas nos falaram que não iriam abrir a grade. Que ficaríamos ali até o FIM DA CERIMÔNIA. O QUE DEMORARIA MAIS UMAS DUAS HORAS. Eu fiquei de cara. Sério. Comecei a xingar, me exaltar... e eles mandavam a gente parar de gritar. mas eu tava quase berrando. Não era possível que eles seriam tão cruéis.
Depois da euforia de ver o Papa, o calor foi voltando, a dor também, e a falta de ar também e a sede. E a pressão caindo. Era inaceitável que nos deixassem naquela situação. Pior que não havia nem como sair dali pra ir embora.
Ai sim eu comecei a ficar desesperada real. Na verdade, virou um fuzuê. Em todas as línguas possíveis, português, italiano, espanhol, alemão, inglês e nem sei quais mais, tava todo mundo berrando, brigando mesmo. Eles precisavam abrir. Havia muito espaço nos setores que era onde nós deveríamos estar, e a gente tava ali na pior condição possível.
Não sei como, mas de repente apareceu um voluntário brasileiro na nossa frente. Ele começou a mandar todo mundo se acalmar. Então nós pedimos para ele dar um jeito de abrir aquela grade. Ele saiu, voltou, saiu de novo umas 10 vezes, pra dizer, por fim, que não iam abrir. Nós, os brasileiros, começamos a gritar com ele. Ele não poderia fingir que não nos entendia, como os guardas pareciam fazer.
Ele só mandava a gente se acalmar. Então, respiramos fundo e falamos pra ele que se eles não abrissem aquela grade, a gente ia morrer ali. Eu, certamente, iria. Explicamos que já fazia quase quatro horas que estávamos ali e que era inaceitável aquilo ficar daquele jeito. Aí, finalmente ele pareceu compreender. O cara se solidarizou e disse que ia dar um jeito. Depois de ir e volta mais mil vezes, ele nos disse que iam abrir.
Então apareceram mais um milhão de voluntários que formaram um corredor e nós teríamos que sair um de cada vez, mostrar nossos ingressos e ir para nossos setores.
Por mim, ok ser tudo organizado, mas a galera parecia uma manada de búfalo. O povo de trás não tinha escutado a conversa e tava todo mundo desesperado para sair dali. Cê acha que a galera ia sair organizadamente? Claro que não.
O pior é que nessa hora, além da ansiedade normal por saber que seria um momento salvagem onde cada um por si, Deus por todos, além de temer por mim mesma, de jeito nenhum eu iria pro nosso setor sem meu irmão caçula.
Eles abriram apenas um pequeno espaço pra controlar a multidão e eu fui um das primeiras a sair. AR!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Nossa, foi como sair de uma estufa. Respirar ar fresco. Imediatamente fui pra um canto esperar meu irmão, e imediatamente começaram a mandar eu vazar dali. Ai expliquei que eu estava esperando meu irmão e o moço voluntário foi bem simpático. Falou pra eu ficar ali com ele esperando então. O Is demorou para aparecer. Eu já estava ficando agoniada quando o vi. Chamei, agradeci ao voluntário e fomos pro nosso setor.
Eu me joguei numa lona, morta. Senti uma depressão estranha. Comecei a beber tudo que me deram, de tanta sede que eu tinha.
Finalmente no nosso setor! Sou uma sobrevivente! |
Até lá, já tinha perdido metade da cerimônia.
Eu tive dificuldade em prestar atenção em todo o discurso do Papa porque eu me sentia muito mal. Mas uma coisa me chamou muita muita atenção aquele dia: Quando ele falou "Não sejam jovens de sofá". Eu ri alto.
Ele dizia que nós adoramos um sofá, adoramos nos acomodar, mas o cristão nunca se acomoda... e nossa, aquilo me pegou. O lema da minha vida é: evitar a fadiga. E eu amo um sofá, nossa, amo mesmo. Eu não gosto de nada que me desinstale, nada que vá me surpreender de mais. Quero dizer, naturalmente, a vida, as obrigações me forçam a me mover. Deus mesmo permite muitos acontecimentos pra me desinstalar, mas se dependesse de mim......
Mas as palavras do Papa, nesse sentido, me deram muito ânimo e me ajudaram a ver como eu to longe de ser uma cristã.... Mas com aquelas palavras, eu senti confirmar em mim esse chamado que Deus fez na minha vida. De sair e anunciar o Evangelho. Além disso, o Papa Francisco sempre fala que Deus sonha grande conosco, que temos que nos lançar, nos arriscar e eu tenho muito medo de me arriscar... Então, aquelas palavras foram pra mim. Foi muito especial.
Deborah. Não seja uma jovem de sofá!!!!!!!!!!!!!!!!!
Depois de ouvir o Papa e também me hidratar e descansar um pouco, aquele sentimento ruim que eu estava tendo começou a passar e eu comecei a me sentir melhor. Graças a Deus, não fiquei murmurando nem nada.
Mas mesmo... parando para pensar, nunca vi um evento de JMJ tão desorganizado e me impressiona que num País como a Polônia, de pessoas tão amáveis e tão disciplinado e organizado, acabaram nos colocando daquele jeito e se não brigássemos muito, nos deixariam daquele jeito pelo resto da cerimônia!
Depois da cerimônia, fomos para as nossas casas, onde havia comidinhas, banho gostoso e caminha macia para descansar daquele dia de tantas emoções!
Fotos e vídeo: Deborah Regina Figueiredo
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